quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Menarca

    Levantou-se indisposta, não queria ir à escola, mas sua mãe, impiedosamente, mandou que se arrumasse.
    Arrastou-se até ao banheiro, olhou-se no espelho, um mal estar acompanhado de uma tonteira a impossibilitava de realizar as atividades diárias. Tentou alguns argumentos que só piorou a situação.
    Lentamente vestiu o uniforme , arrumou o seu lanche, pegou o material e caminhou para o ponto do ônibus. O veículo parecia que chegaria a algum lugar, menos ao seu destino.
    Na escola, o tempo não passava, fora levada ao ambulatório e o médico disse que nada tinha. De repente, correu ao banheiro, viu aquela mancha em sua roupa íntima. Assustada tentou ,de toda maneira , entender o que se passava, forrou-se de papel higiênico e voltou à sala.
    Embora fosse inteligente, esperta para os seus onze anos, fora pega de surpresa. Sentia-se como alguém que cometera um delito, em vão tentava ocultar as provas incriminadoras.
    De volta a casa tomou um demorado banho, mil coisas vinham-lhe a cabeça. Pensava estar doente, quando, energicamente, a mãe bateu à porta.Ao abrir, não teve como esconder os papéis, o sangue ainda escorria no ralo. Sua mãe saiu apressadamente, voltou com algumas toalhinhas higiênicas e a ordenou que as colocassem.
     Só se deu conta da situação quando a vizinha gritou o seu nome e lhe deu os parabéns. Não entendeu muito, pois não era o seu aniversário, arriscou-se a perguntar por quê?
     Ouviu a mulher dizer - é porque se tornara "mocinha".
     Envergonhada e por deduções próprias, aprendeu com a vida... que deixara de ser menina e preparava-se  para ser mulher!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Confusão

E o vento
embaraçava os meus cabelos
esvoaçava os meus pensamentos
E eu seguia
confusa e vazia.

Depressão

Rompe as barreiras
e as lágrimas rolam
Foge ao entendimento
tamanho sofrer
Já não busca mais compreender
E ela não caminha
morre

O bêbado

O homem em pé
O homem no chão
a sarjeta
a vida vencida
a luta perdida
e tudo em vão

Juiz de Fora, 158 Anos

    Caminho por esta cidade que não é só minha. Revejo o passado num pouco que ainda lhe resta. Alguma coisa acontece em meu coração quando cruzo a São João com a Rio Branco e deparo-me com aquela moderníssima agência do Banco Itaú que outrora  abrigara o meu Colégio Instituto Santos Anjos.
    Fico ali parada, hipnotizada e vejo-me conduzida por meu pai até a sua entrada. Volto o meu olhar à direita e lá está o bonde Poço Rico que nos conduzia de volta ao lar. E tudo começava quando o motorneiro dava o sinal de partida, íamos deixando para trás a escola.
    Surgia, à nossa frente, os casarões, o Grupo Delfim Moreira, a Catedral; descíamos a Espírito Santo e lá a Faculdade de Odontologia, o Lactário São José, a Escola Normal, o Meurer, a Cia. Mineira de Eletricidade e o Pantaleone Arcuri. Logo entrava na Ozório de Almeida, de onde podíamos avistar o muro branco do Cemitério Municipal, a Praça da República com seu lago de peixinhos dourados, o Grupo Henrique Burnier e o açougue do Sr. Sílvio que era o ponto  final.
    Desperto com os esbarrões e o buzinar dos carros. O tempo passou, a cidade cresceu e aqui estou... impregnada de saudade!
    

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A lei do mais forte

    Durante muitos anos ficou reforçado, em mim, a lei que "o mais forte" sempre vencia. Era em vão para aqueles que tentassem convencer-me ao contrário, toda esta crença fundamentava-se em meu passado.

    Lembro-me da minha infância, na escola quando batia o sino para o recreio, corríamos para ocupar um lugar no zanga-burrinho (um tipo de gangorra) e sempre éramos surpreendidas pelos mais fortes da sala, nos arrancavam impiedosamente de nossos lugares. Então, este tormento acompanhou-me  por um bom tempo, ainda bem, que são lembranças pretéritas. Cresci, ganhei uma estatura considerável e esta lei veio cair no esquecimento.

    Todas as manhãs, eu e minha mãe ficávamos maravilhadas diante do espetáculo que acontecia no quintal vizinho. No abacateiro, diversos pássaros desfrutavam da água e do alimento colocado para eles.

     Aquela cena fazia parte de nossa rotina, até... sermos surpreendidas por um bando de bem-te-vis. Só ouvimos os seus gritos de guerra, seguidos de bater o bico repicando o som. Sem exageros, este atentado inesperado foi comparado, por nós, ao inesquecível de onze de setembro nos Estados Unidos. Chegaram, apossaram, chocalharam à árvore e destruíram os ninhos, colocando as aves residentes em alvoroço.

     Cecília Meireles em seu texto História de bem-te-vi, temeu pelo desaparecimento desses pássaros   por conta do crescimento desordenado de sua cidade. Ledo engano, Cecília! Eles continuam, por aqui, preservados e em número maior. Teve mudanças significativas, em seu comportamento, de rebeldes à vândalos.

     Por algumas semanas fomos acordadas pelo barulho estridente dos arruaceiros, talvez, haja uma explicação por parte dos ornitólogos para esse fenômeno mas para mim, voltou aquele velho trauma infantil, independente das espécies, "o grupo mais forte" sai vencedor!

A temperamental

    Quem a visse, podia imaginá-la doce, sim, doce, porque às fêmeas atribui-se docilidade e passividade. O seus pelos todos arrepiados vindos de uma linhagem angorá davam-lhe aquele toque de elegância. Como todas, de sua raça, têm as feições de má e olhar de desconfiança, na semana de sua chegada, mal pudemos tocá-la, pois estava arisca e assustada.
 Com o tempo, entre uma arranhada e outra, pudemos identificar o temperamento forte de sua espécie felina e tivemos que fazer uma série de mudanças em nossas vidas.
 Quem sabe, assim, com o tempo, possamos  ganhar sua confiança?
      

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Dia dos Namorados

 

      No outono, os bancos laterais direitos, de um ônibus, são os mais procurados devido à incidência de raios solares.Com os cabelos encaracolados, ainda molhados aconchegou-se no primeiro banco e  desejosa de que ele nunca chegasse a lugar algum.

     O veículo parara em um semáforo, vinham-lhe à mente as últimas cenas violentas, nacionais e internacionais, nas quais envolvidos policiais militares. Não aceitava uma democracia construída em cima da dor de tantas pessoas. Estava absorta, queria compreender o quê levava os homens dessa década à tamanha violência.

     Foi arrancada de seus devaneios com murmúrios a sua volta. Enfiou a mão em sua bolsa, a revirou... e nada, muito chateada percebeu que havia esquecido o celular em casa. Ainda viu aquele policial afastando-se, e empunhando um lindo ramalhete de flores. Por um instante, atônita, ela desejou que aquele momento cênico fosse uma manifestação de paz e amor, emocionada o seguiu rua afora.

     E do outro lado da rua, assistiu o militar entregando o  buquê à amada e aí lembrou... era dia doze de junho, "Dia dos Namorados"!  Ah... o amor!
     

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Como um cachimbo tornou-se uma interação entre alunos e a escrita

                                                                                    
Coisa de valer a pena: - " a verdadeira Pedagogia é a arte de fazer da curiosidade algo metódico e permanente. É assim que o ser humano conhece e se reconhece. É importante aprender para que nossas aulas não se transformem em velhas e enfadonhas lições". Paulo Freire

                                                      RESUMO

     Apresenta trabalho desenvolvido na 3ª série da  Escola Municipal Prefeito Dilermando Cruz Filho, a partir da literatura de Monteiro Lobato, que desencadeou uma relação profícua e prazerosa do aluno com a leitura  e a escrita.

Palavras-chave: história, literatura, escrita, cultura.




       

     Imaginem vocês se, um dia, um de seus alunos entrasse em sua sala de aula, trazendo às  mãos um toquete de bambu. O que fariam?
     Na aula anterior, estudávamos a biografia de Monteiro Lobato. Vendo Fernanda, ansiosa, diante de mim como se esperasse uma reação, assustada,  a ela perguntei :
     - De quem é o cachimbo?
     Ela simplesmente respondeu:
     - Do Saci!
     Neste momento, a classe levantou outras hipóteses:
     - É do tio Barnabé porque aparece sempre nas histórias com seu cachimbo ao lado.
     - Não, só pode ser da tia Anastácia que em horas de folga, da cozinha, aproveita para tirar umas baforadas - falou Guilherme.
     - Nem pensar, disse Camila, tá na cara que pertence ao Cacique, para falar de paz.
     A regência da sala já não me pertencia, o cachimbo ia de mão em mão e as opiniões surgiam num debate caloroso. Diante daquele processo interativo, criei coragem e vivenciei aquele acontecimento fundamentado na fala do professor João Wanderley Geraldi: "Às vezes sem saber, ao alienarmos o nosso direito de construir nossas aulas, nos tornamos meros executores de aulas elaboradas por outros".
     Naquela tarde, quem poderia imaginar que um simples objeto de bambu entalhado pela natureza pudesse vir a ser a interlocução nesta e em outras aulas, tornando-se o detonador deste projeto?
    

                                       Um cachimbo de bambu?                                            

     A sala virou um caos e foi preciso pedir que todos se acalmasse e começassem a investigar o caso. Fui salva pelo sinal do recreio e, após, algumas crianças chegaram curiosamente à porta, perguntando se realmente havia acontecido o fato.
     Marcamos, no dia seguinte, uma visita a nossa  bibliotecária, Maria do Carmo Batista dos Santos, que  já nos aguardava com um farto material anteriormente selecionado a pedido da turma.
     Todos queriam ler a obra de Monteiro Lobato, começando assim a investigação do objeto. Mesmo aqueles que não se diziam leitores, folheavam os livros na tentativa de uma solução.
     Num outro momento, sugeri que registrassem aquele acontecimento. Foi aí que vi os seus olhos brilhando e os lápis correndo folha afora, escrevendo as suas histórias. Confesso que fiquei emocionada diante daqueles pequenos leitores-escritores.
     Enquanto escreviam, juntei-me a eles e escrevi a minha:


                                         Um presente inusitado

     O mês era abril, o conteúdo biografia. Nada mais instigante que falar sobre Monteiro Lobato. Sônia não esondia a paixão que tinha  por sua obra.
      A aula já havia começado. A professora sentia algo no ar. As crianças agitadas não paravam  de falar, aquele sopro no ouvido..., aquele risinho no fundo da sala, indicava que a rotina não seria a mesma.
      Como se nada bastasse, a menina Fernanda entrou, trazendo nas mãs um objeto que encontrara na porta. A professora e os alunos se entreolharam por alguns segundos. Ela tentou disfarçar, mas um arrepio correu-lhe por todo o corpo.Bruscamente tomou o cachimbo em suas mãos e virando para eles perguntou-lhes a quem pertencia.
      A classe foi unânime:
      - Do SACI!
      E para piorar a situação, a pequena Juliana folheou novamente o seu livro "O Saci", de Monteiro Lobato, e mostrou em uma das páginas o tinhoso sem o seu pertence.
     A mestra não se  deixou abater, respirou fundo e evocou com todas as forças aquela entidade. Num piscar de olhos ele apareceu pulando sobre as carteiras e pedindo para que as crianças não se assustassem.
      Comentou que não pudera resistir ao passar pela Vila Ideal *  ver tantas crianças lendo suas histórias. Fez homenagens a professora, pois foi através  dela que elas passaram a vê-lo com outro olhar. Leu para os pequeninos "A importância do ato de ler, de Paulo Freire, e " Um escritor nasce, de Drummond. Eles ficaram maravilhados.
      Naquele momento de magia, despediu-se de todos e desculpou-se pela forma como ali aparecera e deixou como lembrança ... o seu cachimbo.

       Alguns alunos sentiam dificuldades em suas escrituras. Então solicitei àqueles que iam terminando que ouvissem as histórias de seus colegas e fizessem como os escribas** faziam no passado.
      Quem passasse do lado de fora poderia ouvir nitidamente as ideias pipocando no ar. Ao término da tarefa, houve trocas de textos e brigavam para a leitura dos mesmos.
       Os alunos dividiram-se em grupos e foi criado o "Momento Literário" para que dessem a todos a oportunidade de fazer suas apresentações.
       A professora Virgínia Fátíma Paulino dos Santos, da 2ª série, abriu um espaço, para que alguns lessem em sua classe, contribuindo, assim, para a valorização daquele momento.
       Após a maratona literária, li uma adaptação dos textos de Paulo Freire, "A importância do ato de ler" e de Drummond, "Um escritor nasce".
       A finalização do nosso trabalho foi a produção de texto, a  leitura das biografias dos três escritores e a exposição com os cartazes da obra de Lobato.


                                   A saga do cachimbo continua...

       No ano seguinte, mais uma vez, o cachimbo apresentado pela minha história foi detonador, para que os alunos das 6ª séries da Escola Municipal Tancredo Neves, Colônia de São Pedro***, definissem as atividades a serem apresentadas na 1ª Mostra Cultural " Tancredo mostra sua arte" de 25/08/03
 a 30/08/03.
       A 6ª série A optou pela paráfrase, a 6ª B escolheu as travas-línguas e a 6ª C a gincana folclórica. 
       Separei a narrativa do aluno Jonathan de Paula, 6ª A, para a refacção coletiva das 6ª séries. A princípio houve ciúmes, que foram contornados ao lerem o que o colega havia escrito.
       Um dos alunos da 6ª C disse ter contado a história para seus familiares e nem percebeu que, num bambuzal, ao lado de sua casa, um Saci ouvia atentamente. Quando terminou, ele aproximou-se emocionado e me mandou um convite para que eu fosse morar na Colônia dos Sacis e mandou de presente... outro cachimbo.
       Agradeci a gentileza e feliz porque mais uma vez a imaginação ficou solta e pudemos nos divertir bastante.



                                                   CONCLUSÃO

      Para que possamos vivenciar momentos como esses, temos que ter a coragem e a vontade de repensar a nossa prática diariamente. A partir daquele instante, tinha início uma viagem fantástica ao imaginário daquelas crianças e adolescentes. Estavam desinibidas com relação à escrita, falavam sobre os seus livros, dando suas opiniões, mas também  sugestões de leituras. Percebi os grupos organizando-se, trocando ideias com mais facilidade. Encerramos com uma avaliação oral sobre as atividades ali acontecidas.
        Não sou supersticiosa e espero que você leitor ou leitora, também não o seja. Acreditem se quiser! Hoje moro no bairro Colônia de São Pedro e da minha janela posso ver um grande  bambuzal no meio da mata.
         Não me perguntem como cheguei até aqui, mas me ajudem a desvendar este mistéeeerio!!


                                                   BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Carlos Drummond. Um escritor nasce. In: MENDES, Maria Helena Braga. Vamos aprender redigir? Belo Horizonte: FURMAE/PUC-MG, 1984.

BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola. São Paulo. Loyola, 1998

BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1999.

BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares da Língua Portuguesa. Ensino Fundamental: Brasília, MEC, 1997.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1988.

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula: leitura & produção. Cascavel: Assoeste, 1984.

NOGUEIRA, Adriano (org.) Contribuições da interdisciplinaridade para a ciência, para a educação, para o trabalho sindical. Petrópolis: Vozes, 1994.





*  Vila Ideal: bairro de Juiz de Fora/MG


** Escriba: escrivão público, notório. In: Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. MEC, s/d.


*** Colônia de São Pedro: atual bairro São Pedro de Juiz de Fora/MG           
                                          
  

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Relembranças

   Ainda ouço o grito de nossas algazarras, sinto o cheiro de couro da minha merendeira e da minha pasta. Vejo o meu material escolar com suas etiquetas identificando-me como aluna.
   Quando a professora entrou na sala de aula, eu devorava o meu livro de leitura sob os olhos espantados dos meus coleguinhas. Saí da classe com a professora e o livro, acompanhada pelos olhares intrigantes como se tivesse aprontado uma traquinagem.
    Fui conduzida ao gabinete da Madre Superiora Adelina a quem tanto temia. Aquela mulher de manto marrom e gola engomada curvou-se, ajeitando-me em seu colo. Logo em seguida, pegou a grande bíblia e pediu que lesse um de seus trechos. Até hoje, não entendo muito o que se passou naquele recinto. Só sei que fui promovida para uma sala mais adiantada.
   Iniciei um novo livro: "As mais belas histórias"; através dele apaixonei-me por Cecília Meireles no "troc...troc..." de seus tamanquinhos, talvez porque, naquela época, usávamos tamancos. E foi através de Afonso Celso em sua poesia " O gato", que escolhi o meu animal de estimação!
   Os meus pais eram rígidos, eu tinha poucos amigos e passava a maior parte do tempo na companhia dos livros. E foram eles  que deram-me como companheiros: Irmãos Grimm, Christian Andersen, Monteiro Lobato, Oscar Wilde, Cronin, José Lins do Rego, Machado de Assis, José de Alencar, Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Michel Quoist, Antoine Saint Exupery, Aloísio Azevedo, Rollo May, Frank Caprio, Lígia Teles, Manoel Bandeira, Mário Quintana, Elias José, Moacir Scliar, Roseane Murray, Fernando Pessoa, Francisco Marques (Chico dos Bonecos), Garret, Lígia Bojunga Nunes, Arthur da Távola, Patativa de Assaré, Orígenes Lessa, Nélida Peñon, Maria José Dupré, Olavo Bilac, Castro Alves, Edmilson Pereira, Wilson de Lima Bastos, Ymah Théres, Yacir Freitas, Cony, Sílvia Orthof, Clarice Lispector e tantos outros.
   E nesse entrelaçamento de leituras, eu nasci ... leitora!